"As pessoas vêem as coisas como elas são e perguntam 'por quê?'. Eu vejo as coisas como elas poderiam ser e pergunto 'por que não?'." (Bernard Shaw)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Ao aniversário de Santos Dumont



No ano de 2006, tive a oportunidade de participar de um concurso de redação para universitários de todo o Brasil, cujo prêmio para os 50 primeiros colocados, era a publicação em um livro, chamado “Santos-Dumont e o centenário do 14-Bis”. Hoje, com o aniversário de Santos Dumont, não poderia deixar de lembrar a época que estudei sobre esse grandioso homem para elaborar minha redação, sem dúvida uma pessoa que merece ser lembrada para sempre. Em meu trabalho, fiz uma carta póstuma, como se Santos Dumont a tivesse escrito antes de seu suicídio. Abaixo,a redação na íntegra:


Carta Póstuma de Santos Dumont
O céu sempre me pareceu próximo. Sondava-me a iminência de que ele também se sentisse próximo a mim, para romper as divergências relativas e nos tornarmos apenas um em matéria: um ser celeste.
Meus braços trabalharam arduamente para que fossem substituídos por asas. Minha ideologia era altruísta, pois se desejava voar era pra conquistar um sonho não só meu, mas humanitário. Agora...aqui estou com meu âmago balanceado. Por um lado a satisfação da exploração do oceano celeste, por outro a utopia bombardeada por abutres.
Deixo registrada minha gratidão a Julio Verne, sendo que com ele recebi as primeiras lições de aeronáutica. A repercussão pôde ser vista em 1906, quando o 14 bis voou e elevou pela primeira vez um homem ao ar por meios próprios. Subimos ao céu e deixamos olhos crédulos esperando que a fantasia de voar se tornasse um ato do cotidiano. Maravilhosa proeza a de voar! As asas do 14 bis não eram ilusórias como as de Ícaro, cujo viu sua invenção se despedaçar e carregar consigo cada gota efêmera. Nesse momento me sinto como Ícaro.
Uma vez que a maldade já nasce dentro de cada homem, cabe a estes se querem desenvolvê-la ou não, as oportunidades para despertá-la são inúmeras e o 14 bis não era uma delas.
A formação de meu caráter devo a meus pais uma imensa gratidão.
Não consigo articular da maneira que queria e deveria. É meu psicológico que está se retraindo, não sei como isso acabará, ou se acabará.
Guerra: Produto do homem. A arte dos militares de expandir todo o ódio enrustido. As esperanças anuladas, os sonhos contidos.
Nós, os fundadores da Aeronáutica, sonhamos com um futuro pacífico e grandioso para esta, no começo deste século. Com a guerra estenderam-se todos os horrores que aterrorizaram a humanidade. Apoderaram-se de nossos trabalhos.
As coisas eram tão belas, vistas de cima antes da guerra. Não desejo a ninguém as maldades que a guerra trás, pois criei um aparelho para unir a humanidade e não para destruí-la.
Gosto muito de uma frase de Leonardo da Vinci que diz: “Quando tiver provado a sensação de voar, andará na terra com os olhos voltados para o céu, onde esteve e onde desejará voltar”. Podem me julgar a sandice os que não conseguirem enxergar o céu como eu o vejo. Eu naveguei pelo ar. Ninguém antes de mim fizera igual.

O desejo de me tirar a vida parte somente de um princípio: a ignorância. Minha? De forma alguma. Faço uma retrospectiva de meus atos no decorrer da vida e me orgulho do que fiz pela humanidade, mas ignoraram meu grande invento em troca de idéias de má índole.
As quatorze tentativas, os quatorze erros, as quatorze perspectivas, as quatorze persistências, o 14 bis- uma só derrota. Costumo falar que as invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso.
Com a morte, desprender-me-ei da vida humana e a possibilidade de chegar ao céu pode ser maior.
Minhas idéias vagam e eu não mais as controlo. A vida, a morte; o céu, o chão; Deus, o inferno; o invento, a destruição.
Enquanto criança, sempre levei adiante a idéia do homem poder voar, não por ilusão, mas por determinação. As risadas de meus amigos só serviam para me nutrir quando julgavam previamente que eu não conseguiria. Ajudei-os com meu exemplo de perseverança.
O céu não tem limites. Com usa imensidão pode abraçar a todos com seu manto estelar, os seres tão impuros, que tanto esnobam os artifícios naturais. Mas entendo os astros, pois quando se está no céu, o que se vê é a submissão do homem e a luta insensata de evolução, ou digna de regressão, depende do ponto de vista.
A arte de engendrar é a arte de por a vida em um invento, ou melhor, sua vida; pois a partir do momento que se inventa algo, muitos se lembrarão do autor quando utilizarem o engenho. Alguns até irão mais adiante, procurarão estudar a vida do inventor e lhe darão grandes méritos por ter ajudado na evolução tecnológica.
Qualquer objeto é uma arma, se usado de modo incorreto. O mesmo avião que nos leva às alturas pode nos levar para baixo da terra. A mesma mão que criou o 14 bis, que tanto inventou, agora tirará minha vida, aliás, já tiraram. Conforme disse minha vida está no meu invento, o universo que criei e destruíram. Gozado! Tanto tempo para se inventar algo, e tão pouco para destruí-lo. Talvez, só estivessem esperando que alguém inventasse uma máquina própria para vôo e usá-la em guerras. Maldita vida afã e vã.
Deixarei o mundo como se livra de um fardo. Não culpo a humanidade, isso seria muito amplo. Não culpo ninguém, isso seria medíocre de minha parte.
Já me considero um homem morto, o que irá agora é apenas meu corpo, o material.
Dedico minhas obras e meus últimos suspiros a todos que viverão à luz de uma eterna nostalgia, originária do vôo da liberdade.

Di +

  • Livro: "Geração zero zero: fricções em rede"